sexta-feira, 11 de março de 2016

Sérgio Moro diz que país não mudará se ficar esperando pelos políticos

   


Josias de Souza
Num instante em que se encontra sob ataques de Lula e de Dilma Rousseff, o juiz Sérgio Moro, responsável pelos inquéritos da Operação Lava Jato, declarou que há no Brasil “um quadro de corrupção sistêmica”. Ele avalia que esse quadro não será alterado por iniciativa do setor público. Numa palestra dirigida a empresários, o magistrado afirmou, na noite desta quarta-feira:
“Não vai se mudar o nosso sistema e a nossa cultura se nós formos esperar essas mudanças dos nossos políticos e dos nossos governos. Não precisamos deles para que iniciemos uma mudança de iniciativa empresarial, que simplesmente diga não ao pagamento de propinas em contratos públicos.” Moro foi aplaudido por uma plateia de cerca de 200 empresários, reunidos em Curitiba num evento que teve como tema Empresas e Corrupção.

Para Moro, as empresas podem contribuir muito no combate à corrupção. “Não adianta ficar apenas reclamando de políticos e agentes públicos desonestos”, disse. “Tem que ter a coragem de dizer ‘não’ ao pagamento de corrupção ou de extorsão, em qualquer hipótese.”
O juiz disse que tem anotado em suas sentenças um conselho às empreiteiras cujos executivos foram condenados na Lava Jato. “A postura decente é vir a público, reconhecer que fizeram coisa errada, afastar os executivos comprometidos, indenizar o poder público e se comprometer com políticas novas de alteração desse padrão de conduta. Não precisa governo para isso, não precisa político, não precisa nada. Precisa iniciativa privada corajosa.”
Moro citou o exemplo da Volkswagen: “Gigante automotiva, uma das maiores empresas do mundo, foi surpreendida em um esquema que nem era de corrupção, mas de possível fraude em testes de mecanismos dos seus carros. O que foi feito pelo CEO da empresa? Veio publicamente reconhecer os erros e se comprometeu a indenizar os consumidores. Essa é a postura decente. É isso que os empresários podem fazer, preferivelmente antes que esses malfeitos sejam descobertos.”
Sem mencionar os nomes dos críticos da Lava Jato, Moro afirmou que “as investigações e as persecuções desse caso têm sofrido acirrados ataques. Até já houve quem atribuiu a essas investigações uma responsabilidade pela recessão atual.” Segundo o juiz, só há dois caminhos à disposição. E a “sociedade democrática brasileira” terá de optar por um deles.
“Podemos fazer como se fez muito: varrer esses problemas para debaixo do tapete, esquecer que eles existem” ou “enfrentar os problemas com seriedade e da forma que eles devem ser enfrentados.” Para Moro, “a primeira alternativa não é aceitável.” Sob pena de agravar a chaga da corrupção no longo prazo.
“O único caminho viável nesse caso é seguir em frente”, acrescentou Moro. “Dificuldades nós estamos vivenciando e não são poucas. Mas os ganhos futuros, se nós persistirmos no enfrentamento dessas questões com transparência e sem pretensão de varrer esses problemas debaixo baixo do tapete, teremos maiores ganhos no futuro.”
“Esse quadro de corrupção sistêmica nos envergonha como brasileiros”, disse Moro. “Muitas vezes o brasileiro, quando vai para fora do país, tem aquela imagem de desonesto, de malandro, quando a maioria das pessoas não tem nada a ver com esses problemas. Será que se nós enfrentarmos esses problemas não estaremos aumentando nossa dignidade, não só como país, mas a nossa autoestima pessoal?”
Sérgio Moro se disse “consternado com esse quadro econômico de recessão e de desemprego.” Mas não dá crédito à tese segundo a qual “a culpa não é da Lava Jato.” Mencionou os “movimentos favoráveis no mercado”, com oscilações positivas nos índices da Bolsa de Valores, quando há diligências policiais. “Para mim é um indicativo de que a Lava Jato não é exatamente um problema.” Reiterou: “Trabalhar contra um quadro de corrupção sistêmica é algo que só nos traz ganhos. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso.”
A despeito da conjuntura que combina “recessão profunda, desemprego crescente e corrupção sistêmica”, Moro diz ter “confiança” na capacidade dos brasileiros de superar os problemas. Escorou o otimismo em exemplos recolhidos da história do país.
“Já superamos crises econômicas pretéritas terríveis, vencemos duas ditaduras —a do Estado Novo e a ditadura militar— nós tivemos o triunfo contra a hiperinflação nos anos 90, tivemos a crise da dívida também, nos anos 80, superamos todos esses problemas.” Numa alusão à atmosfera pancadaria que opõe petistas e anti-petistas nas ruas, Moro lecionou: “Superamos os problemas juntos, pra frente, não para trás. Devemos vencer esses desafios também, diga-se aqui, sem violência e sem ódio contra ninguém.”
Encerrada a palestra, Moro se dispôs a responder perguntas da plateia. Instado a falar sobre as investigações que envolvem Lula, absteve-se de comentar. Limitou-se a dizer que “é preciso tolerância em relação ao outro e comportamento amigável, sem discurso de ódio de ambos os lados.”
Declarou-se aborrecido com uma notícia falsa veiculada sobre seu pai. Disseram que ele seria um dos fundadores do PSDB na cidade paranaense de Maringá. Moro acrescentou que suas sentenças não têm motivações partidárias. “Meu pai já é falecido, era professor de geografia, talvez a pessoa mais honesta que eu conheci. Tenho zero ligação com partidos […]. O juízo trabalha com fatos. Interesses partidários não são o caso dentro da minha profissão”.Fábio Campana

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